Meu delicioso e melancólico mundo particular.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Mar azul nos olhos de ressaca...

Enquanto o mundo exige precisão e firmeza, ele não exige nada além dela mesma.
Por mais que a vida insista em dureza, um sorriso terno incentiva a permitir-se ser amada.
Nas estranhas entranhas da penumbra dos sentimentos novos, eis que consegue encontrar, tão logo,
Aquele que veio ao som de uma linda ópera: fortaleza alva de portas azuis, portas para a alma,
Alma cheia de luz. No toque calejado das mãos do trabalho, carinhos macios e mimos prateados.
Ela, emaranhada e arranhada das quedas da vida, com a oferta certa e certeira se cativa,
Como se ele já soubesse, antes mesmo que ela saiba, do que precisa e do que lhe faltava.
E quando o sobreviver era mais que viver, e a rotina se resumia em esgotá-la,
O descanso veio do mar azul profundo, contrastando com seus olhos de ressaca.
Não lhe digo que está rendida, orgulhosa e ainda ferida, segue com suas lanças e armadilhas,
Amazona escaldada, protegida na carapaça, feita de  restos de peles de amores já não vivos.
Ao mesmo tempo que afasta, pede insistentemente que se aproxime, que mime, que faça.
E mesmo que amar possa parecer uma batalha, para ela, machucando, ferindo, sangrando,
Que mesmo assim também ele tenha seu escudo, escudo que o proteja das adagas desta menina,
Pois no fundo o que lhe precisa é exatamente o contrário do que ela quer:
Lugar macio e seguro, onde saiba que, na imensidão do mar, possa dar pé.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Emerald

Chuva, vento, frio, do lado de fora um furacão de água e neve e gelo, congelando meus dedos e minha boca, cortando meu rosto, açoitando meu corpo. Do lado de fora o rosto molhado, a cabeça vazia e os olhos inexpressivos, calmos, como se nada estivesse acontecendo.
O mundo cinza cada vez mais cinza, apressado e lento, correndo, correndo, correndo, nunca saindo do lugar. E nesta terra molhada, a quem chamam Esmeralda, a vida se multiplica ingênua e maligna por toda parte. Crescem as gramas, crescem as árvores, crescem as crianças e com elas a esperança. Esperança em cada família rostinho rosado repetido inúmeras vezes, em cada uma das quatro crianças-esperança nascidas, que orgulho! Famílias grandes e prosperas e católicas e caóticas.
Do lado de fora as crianças batem o pé, querem mais, mais brinquedos, mais vida, mais sol, mais alegria, mais crianças. Do lado de fora o clima é pesado e os rostos são mortos ou, ao menos, vivem como se já estivessem. Do lado de fora eu observo, como uma estranha, aos peixinhos vermelhos no aquário cinza, tão insatisfeitos consigo mesmos e tão incapazes de pular fora do aquário.
Mas do lado de dentro é outra historia. Do lado de dentro a sala é quente, do lado de dentro as crianças dormindo são anjos que enfeitam a casa, do lado de dentro a chuva é tão linda que chega a ser poética.
As flores crescem, enquanto eu observo daqui, e a Esmeralda é realmente verde e prospera. O ar quente da lareira é convidativo e as faces são amigáveis e rosadas, emolduradas pela penugem laranja e expressivas com um olhar azul profundo, tão profundo que chega a ser cativante, inocente.
Olhando deste ângulo a felicidade está no número, o que melhor que uma nova vida para renovar a esperança de um futuro melhor? De dentro eu vejo as centenas de porta-retratos sorridentes e brilhantes, vejo pessoas animadas e mais um Bank Holiday , que alegria!
Do lado de dentro os rostos são secos, as roupas são secas, mas o coração é úmido e palpitante. Depois de dois anos vivendo em uma Ilha molhada e fria eu aprendi a enxergar a joia Esmeralda, oh Emerald Isle, tão improvável e tão previsível.
Momentos bons, ótimos e ruins, péssimos, que jamais esquecerei. Levo de ti não só tua língua, teu sotaque, mas também tua complexidade que me forçou a aflorar ainda mais a minha versatilidade, e deixo contigo uma parte do meu coração em cada amigo, em cada alma viva, em cada nova historia que aqui fiz e desfiz...
Para sempre haverá um pedaço de mim espalhado por esta Ilha úmida de lagrimas de quem vai e de lagrimas de quem fica.
Até logo, Ireland. Fique bem na minha ausência. Hope I can see you again soon....


Gabriella Lopes.

Incúria de massa... Sou "cult"

Ser cult é um estilo de vida. Cultura não se vê em qualquer lugar, mas com acúmulo de informações interessantes e números de livros lidos. Eu sou culta porque eu conheço Bukowski, sou culta por ter assistido a um filme "cult" que "ninguém viu". Não leio Paulo Coelho nem assisto filmes nacionais. Eu sou muito, muito culta (e foda) porque eu uso roupas inspiradas na moda inglesa, mesmo vivendo em um país com clima tropical (infernal?), mas me adapto! Eu sou "cult" com meu topete incômodo, cheio de laque, derretendo no sol, e uma jaqueta de couro. Eu sou cult e, claro, muito diferente da massa. Eu me excluo da maioria, apresento ideias revolucionárias utópicas, faço piadas que sei que as pessoas não irão entender por não terem o mesmo nível de cultura que eu. Uso hashtags no facebook, mesmo nunca tendo clicado em uma para ver o que as outras pessoas estão postando relacionado ao mesmo tema. Falando em pessoas, vivo procurando quem seja intelectualmente (e visualmente) interessante para preencher a minha solidão "cult", mas sou tão egocêntrica que acabo me colocando em um nível mais alto e, consequentemente, acabo solitária novamente. Eu sou cult até no Lollapalooza, onde todo mundo diz ser cult também. Uso as Hunters que comprei em Londres com a camisa Xadrez da Doc Martens, completo com uma make maneira e um par de óculos de armação retrô quadrada, sem grau, pois eu nunca precisei de óculos. Aliado a tudo isso, canto todas as músicas do The Killers perfeitamente, depois de 1 ano vivendo em NY a minha pronúncia é impecável. Inglês é muito cult, dizer que morei fora também. Odeio o Carnaval e posto frases do Rafinha Bastos que criticam o carnaval e logística do ano "útil" nesse país. Eu não assisto a Globo e estou tentando ser vegetariana. Sou burguesa, privilegiada, mas quero lutar pelas minorias e pela diminuição das passagens de ônibus pois quero fazer parte da "grande mudança" deste país. Aliás, sou de esquerda, mas não apoio o governo esquerdista que está no poder. Não sou só uma, na verdade nós, os "cults", estamos crescendo bastante ultimamente. Em breve seremos a nova cara da juventude brasileira. Um esboço mal feito da nova "classe trabalhadora" que fez três faculdades e nunca trabalhou. Não mais mãos calejadas, apenas as botas de operários e mentes mega intelectualizadas e muito bem informadas, com seus smartphones da Apple nas mãos. Sou o maior público dos museus hoje em dia, dos cinemas, dos teatros, sucesso garantido, sempre com uma pessoa cult como eu. Eu sou o futuro.


Gabriella Lopes.